Por Fernando Vives, José Antônio Lima e Marcelo Pellegrini
Nuzman. No poder do Comitê Olímpico desde 1995, deve ficar, impávido, mais quatro anos. Foto: Celso Pupo/AE
Vinte e um anos. Esse é o tempo que o dirigente Carlos Arthur Nuzman
terá permanecido na presidência do Comitê Olímpico Brasileiro (COB)
quando a tocha dos Jogos do Rio de Janeiro estiver acesa em 2016.
Nuzman, que também preside o Comitê Organizador da Olimpíada brasileira,
é o líder de uma estirpe de dirigentes que se perpetuam no poder do
esporte nacional: dez confederações esportivas do País são comandadas há
pelo menos dez anos por cartolas beneficiados por sucessivas
reeleições.
A longevidade de cartolas como Nuzman pode estar com
os dias contados. Tramita no Senado um projeto de lei que pretende
combater a permanência de “dinastias” e, de maneira indireta, inibir
abusos de poder e corrupção nas entidades esportivas brasileiras, bem
como em federações e sindicatos. A proposta proíbe reeleições
consecutivas, estipula um limite de quatro anos para a duração dos
mandatos e prevê que cônjuges e parentes consanguíneos do eleito fiquem
impedidos de se candidatar.
A ideia é impor às entidades as mesmas regras que a sociedade aprovou
para os cargos executivos públicos. “Embora essas entidades não sejam
públicas, elas gozam de isenção de impostos e incentivos do governo. Por
isso, devem seguir os padrões democráticos que a sociedade brasileira
estabeleceu”, afirmou a
CartaCapital o senador Cássio Cunha
Lima (PSDB-PB), autor da proposta. O ministro do Esporte, Aldo Rebelo,
já se mostrou favorável à mudança. “Essas medidas trariam benefícios
para as entidades e para a prática esportiva”, disse em nota.
A longevidade dos dirigentes esportivos é a parte visível de uma
estrutura arcaica que favorece sempre o grupo que está no poder e
dificulta a mudança de práticas, necessária quando o investimento não se
transforma em melhorias para os atletas ou resultados. O presidente do
Comitê Olímpico Brasileiro é eleito pela assembleia-geral da entidade.
Têm direito a voto apenas as federações dos 28 esportes olímpicos e os
três “membros natos do COB”. São membros natos o próprio Nuzman, seu
vice, André Richer, e João Havelange, que comandou a Fifa durante 24
anos e que recentemente foi condenado por receber propina de uma empresa
de marketing esportivo. O sistema em vigor dá superpoderes ao
presidente do COB, pois é ele quem determina o destino e o tamanho dos
repasses de verbas para as federações. Como são as próprias federações
que elegem o próximo presidente, o comandante de cada uma delas precisa
fazer reivindicações com ponderação, sob risco de ser penalizado no
repasse de verbas. Agrava a situação o fato de o estatuto do COB exigir
que um dirigente tenha o apoio de pelo menos dez presidentes de
federação para apresentar sua candidatura. Assim, oposição só surge em
caso de rebelião.
Cunha Lima já prevê uma pressão contrária dos dirigentes. O COB de
Nuzman informou a CartaCapital que a entidade é contrária à ideia. “A
gestão de um dirigente deve ser analisada sob a ótica dos resultados e
das conquistas alcançadas, de sua representatividade no âmbito das
entidades esportivas internacionais e do legado”, diz a entidade em
nota. “O COB defende a autonomia das entidades dirigentes esportivas e
considera que a definição do tempo de mandato do presidente deve ser uma
atribuição da comunidade da respectiva entidade desportiva.”
O ex-judoca Aurélio Miguel, medalha de ouro em Seul
em 1988 e atualmente vereador em São Paulo pelo PR, é um dos ex-atletas
contrários à perpetuação de dirigentes. “Essa sempre foi a minha
bandeira. O Ministério Público deve ter poder para fiscalizar os atos
das confederações. Na hora de receber o recurso do governo, elas dizem
ter interesse público, mas na hora de ser fiscalizadas, se dizem
privadas. Uma eleição com apenas uma reeleição ajudaria a mudar isso”,
entende, apesar de ressaltar que enxerga a gestão de Carlos Arthur
Nuzman com bons olhos.
Tabela com os cartolas beneficiados por sucessivas reeleições
Miguel sentiu na pele os problemas internos que uma confederação pode
ter. Quando era judoca, encabeçou um movimento contra a chamada
“dinastia Mamede” na Confederação Brasileira de Judô (CBJ). Ele e outros
judocas, como Rogério Sampaio (medalha de ouro em 1992), ficaram três
anos sem participar de competições oficiais por conta de desavenças com o
então presidente da entidade, Joaquim Mamede. “O governo ajudava com
alguma verba, mas, como as contas da CBJ estavam condenadas, esse
dinheiro era embargado, porque vinha através da federação e não
diretamente ao atleta. E havia cobrança de ágio pelos dirigentes, era
muito difícil.” A família Mamede comandou a CBJ por 31 anos, entre 1970 e
2001.
Se não é tão raro ouvir as reclamações de um ex-atleta como Miguel,
raríssimos são os esportistas ainda em atividade que se posicionam
contra o status quo da política esportiva. Um desses atletas é Diogo
Silva, semifinalista do tae kwon do em Londres-2012. “Existe um ciclo
vicioso centralizador que faz as associações de academia elegerem
presidentes das federações, que elegem os presidentes das confederações,
que escolhem o presidente do COB”, diz Silva. “Se um presidente de
federação vira oposição, ele passa a ter dificuldades para desenvolver o
esporte no seu núcleo. Muitos queriam votar contra (o Nuzman), mas
temem retaliações”, afirma.
Silva entende que a participação política dos atletas é prejudicada
nesse contexto. “O dinheiro está nas mãos do COB. Se você levanta a
bandeira da oposição, vai ter um caminho muito mais difícil para chegar
ao sucesso. Sou atleta não para ganhar dinheiro, mas para provocar essa
discussão.”
Aos 30 anos, o lutador diz se preparar para ser um dirigente capaz de
tornar o sistema mais justo e transparente ao se aposentar. Exemplos de
mais transparência no comando de comitês olímpicos sobram no exterior.
Um bom deles é o da Coreia do Sul. Embora no Brasil alguns dirigentes
aleguem que mandatos curtos atrapalham a administração e prejudicam o
trabalho a longo prazo, os sul-coreanos são um exemplo flagrante de que a
alternância de poder não impede o sucesso. Desde 1984, o país só não
ficou entre as dez primeiras colocações no quadro de medalhas olímpicas
em Sydney, em 2000. Em Londres, ficaram em quinto lugar. O comitê
olímpico local teve oito presidentes, apenas um deles reeleito.